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LINGUAGEM DOS SINOS
São João del-Rei é conhecida como a “Terra onde os Sinos falam”. Por aqui, a comunicação através de sinos é utilizada desde os tempos coloniais, mantendo uma cultura que há muito se perdeu em todo o país. Se hoje em dia, na maioria das cidades, badaladas e repiques deram lugar a caixas de som e toques eletrônicos, que apenas avisam as horas e horários de missa, em São João del-Rei os sinos conversam com os moradores.
E não é atoa que esta conversa é chamada de “Linguagem dos Sinos”. Através de toques, repiques, badaladas e reviradas, os sinos marcam as horas, convidam para missas, avisam sobre procissões e festas e até mesmo sobre o falecimento de moradores. Normalmente os sinos são utilizados para informar a morte de membros de irmandades religiosas, com toques diferenciados para homens e mulheres. No caso da morte de crianças, é feito um repique festivo, anunciando o “nascimento de um anjo”. Além disso, existem vários toques especiais, que são executados em determinadas épocas do ano, de forma única.
A comunicação através dos sinos foi trazida pelos colonizadores, há centenas de anos. Entretanto, sineiros improvisaram e modificaram os toques, criando uma Linguagem única que só pode ser encontrada na cidade. Segundo a tradição oral, a melodia dos sinos foi influenciada pelos sons utilizados na capoeira, pelos tambores dos sambas, Folia de Reis e Congadas. É uma verdadeira mistura entre religião e cultura popular.
A Linguagem dos Sinos foi tomada como Patrimônio Cultural e Imaterial pelo IPHAN em 2009. As cidades referência para o tombamento foram São João del-Rei, Mariana, Ouro Preto, Catas Altas, Diamantina, Sabará, Serro e Tiradentes. Mas esta tradição ainda precisa de incentivos. Na maioria das cidades históricas mineiras a Linguagem dos Sinos foi perdida ou simplificada. Mesmo em São João del-Rei muitos toques caíram em desuso e correm o risco de se perder para sempre. Toques para nascimento de bebês e aviso de incêndio, por exemplo, não são mais utilizados e poucos sineiros ainda sabem executá-los corretamente.
Felizmente, sineiros não faltam na cidade. Vários jovens e crianças aprendem desde cedo o ofício, que é passado de forma oral, de geração para geração. Não é raro encontrar torres cheias de meninos ainda pequenos observando atentamente o funcionamento dos sinos e tentando executar repiques simples. Para muitos, o que é inicialmente uma diversão e ponto de encontro com os amigos, acaba se tornando uma profissão – que inclusive também é reconhecida como patrimônio cultural imaterial pelo IPHAN.
COMBATE DOS SINOS
O momento mais esperado para todo sineiro é o Combate dos Sinos. São três dias inteiros em que a meninada se reúne nas torres e sineiro velho volta a ser criança. É uma festa ou uma guerra, dependendo do ponto de vista.
O Combate acontece durante a Festa de Passos, que ocorre no quarto final de semana da quaresma. Enquanto dentro das igrejas paira um clima de suntuosa prepação das imagens dos santos, as torres são tomadas pela empolgação dos sineiros e pelo toque frenético dos sinos. Afinal, ganha o sino que revirar por mais tempo.
A batalha começa na sexta-feira e, primeiramente, a disputa é entre a torre da Igreja do Carmo e da Catedral. O esquema é até simples: a Catedral, que comanda este dia de Combate, dita quais dobres e reviradas devem ser feitos e em qual velocidade. Os sineiros do Carmo compiam tudo, sempre tentando acompanhar. Quem parar primeiro é o perdedor. No sábado, a competição é entre a torre da Igreja São Francisco de Assis e a da Catedral. No domingo, todas as igrejas participam.
Segundo relatos, o Combate de antigamente podia durar um dia inteiro. Ninguém desistia de acompanhar os movimentos dos sinos das outras torres e a repetição era quase eterna. Os sineiros chegavam a dormir nas torres para não perderem tempo e não correrem o risco de qualquer surpresa. Era uma verdadeira festa: levavam colchões, lanches e, segundo alguns, até bebidas alcoólicas. Hoje em dia, a batalha é mais rápida. Dura no máximo duas horas, se repetindo três vezes ao dia.
A principal estratégia do Combate é tentar enganar o inimigo: os sineiros fingem que desistem da competição e que estão indo embora e, algum tempo depois, voltam correndo e começam tudo de novo, impossibilitando a torre rival de copiá-los à tempo.
Também são improvisadas formas de comunicação entre as torres das três igrejas: panos e camisas vermelhas são estendidos e girados nas janelas, provocando o rival a revirar o sino mais rápido; já as peças brancas são usadas para pedir um pouco mais de calma.
Para os sineiros, o Combate dos Sinos é a uma das datas mais importantes do ano. Sineiros antigos e aposentados, adultos que tocavam sino quando criança, crianças e jovens que ainda estão aprendendo – todos se reúnem nas torres. E não se envergonham ao contar que não sabem como surgiu a tradição, por ser muito antiga. Só se orgulham de afirmar que o Combate dos Sinos nasceu, assim como eles, em São João del-Rei.